Equidade de gênero é um tema que precisa
estar em pauta o ano inteiro, não só em março, quando se comemora o mês da
mulher. Por isso, entrevistamos Laura Trapp, sócia-diretora de Deal Advisory M&A
Tax na KPMG do Brasil e membro do Comitê do Programa de Mentoria para Mulheres em
PE/VC da ABVCAP, que nos conta um pouco dos desafios da carreira de uma
executiva em uma indústria ainda predominantemente masculina.
Você se imaginava nesse cargo atual quando
começou sua carreira?
Comecei como trainee na KPMG, em Porto
Alegre, há 18 anos na área tributária. No início era uma carreira com poucas
mulheres, e fui abrindo caminho para que outras pudessem ascender
profissionalmente também. Tinha o sonho de me tornar gerente e, em menos de 5
anos, cheguei nesse cargo e comecei a olhar outras possibilidades.
A gerência já parecia impossível para mim,
como mulher-auditora, sem falar Inglês e formada em universidade intermediária,
mas observei que havia sócias mulheres que trabalhavam no escritório de São
Paulo e em escritórios internacionais da empresa, e enxerguei que era possível
chegar lá também. Em 2013, após ter passado por um intercâmbio internacional na
Holanda, pedi transferência e mudei para São de Paulo. Em 2018, tornei-me a
primeira sócia-diretora promovida com atuação na área de M&A Tax da KPMG.
Na época, as pessoas achavam estranho que meu
marido tinha aberto mão da carreira dele, em Porto Alegre, para me acompanhar
em São Paulo. Normalmente, são as esposas que ficam à disposição dos cargos dos
maridos, mudando de cidade e deixando os empregos. No nosso caso, ele entendeu
que poderia ser algo bom para nós como família, não só para minha carreira.
Como avalia as ações das empresas para termos
mais equidade de gênero?
Hoje
já se tem mais diversidade e políticas para aumentar o número de mulheres.
Atualmente, na KPMG, temos aproximadamente 30% do quadro societário formado por
mulheres. Essa distorção não se corrige da noite para o dia, você
primeiro precisa mostrar para a base que é possível e, ao longo da carreira,
ajudá-las a chegar lá. Temos metas globais de seguir aumentando a proporção de
mulheres nas liderança.
Ainda temos que
enfrentar preconceitos e más atitudes naturalizadas. Uma vez cheguei a ser
questionada, em um evento corporativo, se eu estava acompanhando o meu marido.
Quando expliquei que eu era a representante da empresa, e o meu marido é que
estava me acompanhando, a pessoa ficou bastante surpresa. Ainda há um
preconceito estrutural na cabeça das pessoas. Precisamos ultrapassar essas
barreiras.
Quem foi a mulher que mais ensinou/ensina
você?
A minha primeira
inspiração feminina foi a minha avó, uma mulher forte, em uma época em que as
mulheres divorciadas ainda eram discriminadas. Ela teve a coragem de sair de um
casamento com problemas e lutar, vendendo artigos de moda, de porta em porta,
para que suas filhas pudessem ter recursos financeiros para cursar faculdade.
Até mudar para
São Paulo, nunca tive chefes mulheres, mas um ex-gestor, Altair Toledo, me
ajudou muito a quebrar essas barreiras que se impunham à minha frente e que
poderiam impedir meu crescimento. Ele foi um grande incentivador, inclusive
quando eu quis fazer o intercâmbio e, depois, mudar de escritório. Um exemplo
caro de “#HeForShe”, a campanha iniciada pela ONU
Mulheres, em 2014, para encorajar jovens e homens em redor
do mundo a tomarem iniciativa e medidas contra a desigualdade de gênero.
Posteriormente,
comecei a participar de programas de mentoria que me ajudaram no processo, e
acabei me inspirando em outras mulheres que encontrei pelo caminho. Recomendo que as mulheres interessadas em
desenvolver carreira participem desses programas.
Qual é o seu maior sonho?
Hoje, tenho dois
grandes sonhos: a maternidade e me tornar sócia da KPMG. Sei que nada é
impossível para quem tem um objetivo e força de vontade de persistir. Também
quero continuar assessorando e mentorando outras mulheres. Eu me beneficiei de
um programa de mentoria, por isso, acho importante retribuir o apoio que tive, contribuindo
para uma sociedade melhor e mais igualitária. Espero que outras lideranças
femininas também possam se sensibilizar com os percalços que afligem a nossa
carreira em especial, auxiliando e dando o suporte para que outras mulheres
também possam chegar lá.
Como o programa de diversidade e os comitês
da ABVCAP vêm contribuindo para melhorar a representatividade feminina?
Procuramos
aconselhar as mulheres, pois percebemos uma alta incidência na descontinuidade
das carreiras femininas por questões familiares, como ter filhos, casar, cuidar
da familia, etc. Precisamos desconstruir esse mito de que mulher bem-sucedida
tem que ser solteira e “disponível para a empresa” o tempo todo. Nossas vidas
pessoais têm que continuar caminhando em paralelo, para que tenhamos uma
felicidade completa, e com isso, sermos profissionais melhores.
A indústria de
PE e VC ainda é bastante masculina. Vejo poucas mulheres em cargos de
liderança. As mulheres que chegaram lá são referência e precisam ajudar e
inspirar outras mulheres, mostrando que é possível casar-se, ter filhos e,
ainda assim, ser bem-sucedida no trabalho.
Por meio do Programa
de Mentoria para Mulheres da ABVCAP, procuramos criar oportunidades para as
mulheres trocarem experiências, abrimos portas, trazemos conteúdo relevante
sobre o setor e ajudamos a fazer as conexões necessárias para o desenvolvimento
de suas carreiras.