Em entrevista ao NeoFeed, Marcus Vinicius
Gonçalves, o head da Franklin Templeton no Brasil, diz que a alta do dólar
tornou o Brasil muito barato e está com mandatos de fundos soberanos para
investir por aqui. Ele também avalia os cenários local e global.
A pergunta que vale alguns milhões de dólares é
como o mundo e mercado financeiro se comportarão no pós-crise. A resposta para
algo tão complexo é como um quebra-cabeça. Tudo vai depender de várias peças se
encaixando. Mas dá para ter algumas pistas.
Uma delas é acompanhar o que as principais gestoras do mundo estão fazendo e
como estão enxergando o atual momento. O NeoFeed conversou com Marcus Vinicius
Gonçalves, o homem que comanda as operações da Franklin Templeton no Brasil,
para ter esse termômetro.
Com US$ 600 bilhões sob gestão no mundo, dos quais US$ 9,56 bilhões alocados no
Brasil, a gestora tem operações espalhadas no mundo inteiro. No início de
fevereiro, anunciou a compra da sua rival Legg Mason por US$ 4,5 bilhões em
dinheiro e mais a assunção de US$ 2 bilhões em dívidas.
Em julho, quando o negócio estiver finalizado e as operações passarem a ser
conjuntas, o grupo somará US$ 1,4 trilhão em gestão de ativos alocados em todo
o globo. Na visão de Gonçalves, isso dará maior poder de fogo para a gestora em
um mercado cada vez mais concentrado.
Na conversa com o NeoFeed, o executivo avalia o cenário mundial, os setores que
vão sofrer um grande impacto, a atuação do FED e do Banco Central nesta crise e
o endividamento público dos países. Ele também diz como os investidores
estrangeiros veem a crise política, a falta de coordenação para lidar com o
coronavírus e a insegurança jurídica no Brasil.
Ao mesmo tempo, afirma que a alta do dólar fez com que o Brasil ficasse muito
barato. “Tenho mandatos de fundos soberanos interessados em investir no País”,
diz Gonçalves. Para começar, seriam cheques entre US$ 100 milhões e US$ 200
milhões. Acompanhe a avaliação do executivo separada por tópicos:
Cenário mundial
Temos uma visão construtiva de retomada de atividade. Nas várias economias
desenvolvidas existe reconhecimento da necessidade de ter suporte tanto de
entes públicos como do sistema financeiro. Estou falando em renegociações de
dívida e a possibilidade de fazer ajustes que não impliquem discussões
jurídicas. Estou falando, principalmente, de Ásia e Estados Unidos. Essas
economias terão a flexibilidade e a capacidade de recriar empregos que
desapareceram e foram destruídos. Óbvio que não da mesma forma e da mesma
natureza, mas as economias são, relativamente, flexíveis para poderem se
adequar e se ajustar a esse novo normal que vamos viver. Essa tônica é o que
vai diferenciar os que vão sair melhor dos que sairão pior. É a capacidade de
ter adaptação, flexibilidade, e lidar com o fato de que, além de empresas,
setores inteiros serão afetados.
Os setores que vão mudar
Os bancos serão muito pressionados agora por toda a questão do crédito. No fim
das contas, os bancos serão os grandes financiadores e arcarão com grande parte
da inadimplência que vai começar a acontecer nos próximos meses. Mas também
serão pressionados em relação ao que sempre foi uma grande vantagem competitiva
para eles: a presença física, a capilaridade, as agências. E hoje ninguém mais
liga para isso. Isso abre uma chance muito grande para empresas que são
disruptivas, como as fintechs em geral. Outro exemplo clássico de mudança de
setor é em relação a matrizes de energia, o que aconteceu com o preço do
petróleo, disputas geopolíticas. Isso vai ser interpretado pelo mundo como um
chamado para pensarmos em formas alternativas.
O fator Environmental, Social and Governance (ESG)
A discussão de ESG está ganhando força, as pessoas estão olhando mais para
isso. A pandemia talvez tenha sido uma chamada para despertar para os riscos de
mudanças climáticas, que são muito grandes e precisamos fazer alguma coisa como
mundo para poder evitar situações que antes pareciam tão distantes da gente.
Coisas que antes pensávamos que eram improváveis e impensáveis. O cenário do
aquecimento global ganhou corpo e, cada vez mais, os clientes querem saber como
nos posicionamos em relação a isso. Querem saber como as empresas em que
investimos se comportam em relação a discussões socioambientais. A pandemia foi
uma chamada para a gente pensar o impensável.
“A pandemia foi uma chamada para a gente pensar o impensável”
O Brasil na visão dos estrangeiros
As manchetes não ajudam. Pensa o seguinte, o Brasil representa uma posição
pequena dentro da Franklin Templeton. Imagina que, quando vou apresentar o
Brasil e me dão uma hora num call global, tenho de passar os primeiros 15
minutos para explicar as manchetes negativas, não só em relação ao imbróglio
político e a questão de como o coronavírus tem sido enfrentado como também o
fator ambiental. Toda essa questão ambiental da Amazônia é muito importante lá
fora, eles dão muita atenção para isso. Outra questão que também é importante
para os estrangeiros que compram negócios aqui é a do judiciário. Por exemplo,
você participa de uma concorrência em uma privatização, compra o negócio, e
alguém entra na Justiça lá no Amapá e para tudo. Isso, para investidor lá fora,
é tão ou mais complicado do que a questão política.
O fator dólar
Em termos de atratividade de investimento, o lado do câmbio, diria que ficou
muito melhor. Quem não tinha investimento aqui está olhando para Brasil agora,
vai olhar um ativo extremamente mais barato, mais em conta. Tem insegurança
jurídica, risco político, mas tudo isso é precificado. No final das contas,
quando o pessoal põe na ponta do lápis o retorno do investimento e olha toda a
nossa situação macro – aí estou falando de inflação contida, reservas sólidas,
uma economia com uma característica demográfica interessante, é uma democracia
–, isso é positivo. Em poucos lugares do mundo, você vai encontrar uma economia
que tem demanda tão reprimida e uma receptividade a inovação tão grande como no
Brasil.
O interesse no Brasil
Temos fundos globais que investem no Brasil e tenho mandatos para clientes do
mundo todo. No último mês, tivemos um crescimento de interesse por parte de
alguns grandes investidores. São grandes fundos soberanos que estão olhando
para a possibilidade de investir no Brasil. Estão pedindo para a gente montar
sugestões para eles começarem a avaliar. Investir em bolsa, em empresas que têm
uma ligação com o consumidor local como o setor financeiro brasileiro ou o
setor de drogarias, que têm alto grau de defesa de mercado. Empresas
exportadoras, com receita em dólar, também são interessantes. No caso de private equity, o foco é em projetos ligados a
concessões e privatizações.
“No último mês, tivemos um crescimento de interesse por parte de alguns grandes
investidores. São grandes fundos soberanos que estão olhando para a
possibilidade de investir no Brasil”
O apetite dos fundos soberanos
A quantia que vão investir depende muito do tamanho do mercado e, por conta do
dólar, o Brasil encolheu. Mas, geralmente, teremos mandatos de US$ 100 milhões
ou US$ 200 milhões. Quando somar tudo, vai dar uns US$ 2 bilhões. Depende
também da importância relativa e de alocação de Brasil. Na América Latina, é o
mais importante em termos de proporções desses índices de emerging markets e
global markets. Mas, em termos relativos, o Brasil perde muito para os países
da Ásia (O Brasil representa 4,75% no índice de emerging markets e 0,56% no
índice global).
O risco de o País ficar isolado
O mundo corre o risco de ficar mais embarreirado, menos integrado e, nesse
aspecto, ter mais limitações. Algumas das limitações são controle comercial e
de capitais. Se isso acontecer, vai ser muito ruim para o Brasil. Precisamos de
investimento externo, de integração, mas estamos indo para o outro caminho,
estamos ficando isolados, embarreirados. Os vencedores dessa crise serão os
países que não vão se fechar, que vão se abrir. Com a abertura, vão ganhar
mercado, enriquecer suas cadeias de produção. O Brasil precisa pensar nisso e
você não vê essa discussão. Se a gente não se integrar agora, não nos
integraremos nunca mais.
O papel do Banco Central
Houve um trabalho muito forte de reconstrução da confiança do BC depois da
entrada do Ilan Goldfajn (presidente do BC no governo de Michel Temer) e o
Roberto Campos Neto (atual presidente do BC) manteve essa confiança. Não há
dúvida que o BC é absolutamente técnico e faz as coisas com uma visão muito
positiva. A percepção no mercado externo também é positiva, tem um grau de
confiança grande. Não se coloca em questão que o BC tem bons recursos e feito o
necessário. O segundo ponto, se o que está fazendo é o suficiente, aí entram as
limitações institucionais. Temos observado como o BC pode ajudar provendo
liquidez, dando fomento ao mercado secundário e até entrar em dívida primária.
Mas aí se observa um questionamento jurídico muito grande e o BC tem sido muito
cauteloso para fazer as coisas com autorização. Eles sabem o que têm de fazer,
conhecem o mercado, mas o problema é que eles têm as mãos amarradas.
Endividamento público
As grandes economias têm essa noção de que as ajudas têm de ser temporárias. A
economia tem que se ajustar, não adianta deixar empresas zumbis, setores
zumbis, como aconteceu no Japão na década de 1990. A ajuda de governo é
necessária, mas, ao longo do tempo, tem de deixar correr. Vai ter vencedores e
vencidos. A pior coisa que pode acontecer é dar sustentação para setores,
empresas e empregos que, de alguma forma, precisam desaparecer por causa da
evolução do mercado. O grande risco que vemos no Brasil e em alguns mercados
emergentes é o apego a uma situação “antiga” que pode impedir que o progresso
venha. A crise vai ser uma bifurcação entres economias que vão decolar e outro
grupo que terá de se reinventar mais pesado.
“Não seremos surpreendidos se o euro desaparecer nos próximos cinco anos ou dez
anos”
A economia americana e a atuação do FED
A sinalização do FED (Federal Reserve) foi positiva. Eles deixaram claro que
farão o que estiver ao alcance deles para tentar endereçar os problemas. Essa
sinalização de ter uma rede de proteção dá, psicologicamente, um conforto ao
mercado. Enquanto o mercado tiver confiança no FED e no dólar, o tamanho do
pacote tem menos importância. A grande questão será como o governo americano
conseguirá tirar os incentivos que deu. É a grande questão da próxima década,
como ele conseguirá colocar o gênio de volta para dentro da lâmpada. Em relação
ao mercado, acreditamos na retomada, mas não vai ser linear. Haverá movimentos
de queda daqui para frente. Investir agora pensando em três anos ou cinco anos
pode ser interessante.
Nova ordem no comércio mundial
Toda essa mudança e essa briga entre China e Estados Unidos vai abrir
oportunidades para alguns países ganharem mercado em algumas cadeias de valor.
Gostaríamos que o Brasil se colocasse como um player natural, mas,
infelizmente, temos limitações de infraestrutura, jurídica e de educação. Nesse
aspecto, o Brasil talvez esteja perdendo uma oportunidade rara. Em tecnologia,
a Índia está ganhando mercado. Na indústria farmacêutica, o Brasil poderia ter
uma estrutura. Quanto mais integrado você está na cadeia de valor de qualquer
setor, mais integrado você está do ponto de vista financeiro. Quero que o
investidor brasileiro invista lá fora e quero que o estrangeiro invista aqui.
Se o Brasil é uma ilha, não conseguimos ter essa integração. E não estamos em
nada. O País ainda se comporta como uma ilha.
O fim do euro?
Haverá uma discussão muito grande se a União Europeia conseguirá parar em pé
com tudo o que aconteceu agora. Temos uma leitura institucional, como empresa,
de que não seremos surpreendidos se o euro desaparecer nos próximos cinco anos
ou dez anos. Essa é uma leitura que parte de uma dificuldade muito grande de se
construir uma governança de moedas e bancos centrais alinhados. Tem também
muito ressentimento. Essa crise tem exacerbado a história dos nacionalismos,
isso tudo levanta questões regionais. A Itália, por exemplo, ficou muito
ressentida. Os italianos se sentiram abandonados pela Alemanha e pela França.
Essas coisas não vão embora, as pessoas não esquecem isso.