O ano mal havia começado e a Reag Investimentos já estava de novo no noticiário. Depois de travar uma disputa pública com o fundador da Getninjas para assumir o comando da empresa de tecnologia, dessa vez a gestora de João Carlos Mansur ia além das páginas de economia e invadia os sites de cultura, ao ser anunciada, nos primeiros dias de janeiro, como a nova patrocinadora do Cine Belas Artes — icônico cinema de rua de São Paulo que pela primeira vez seria bancado por uma empresa não voltada para o público geral.
Os dois movimentos (um deles puramente de marketing) não chegam a ser representativos em comparação à montanha de dinheiro que é gerida pela Reag, mas simbolizam bem a disposição da gestora para experimentar novos caminhos — e também para se expor. Historicamente conhecida pelos serviços de administração fiduciária, a gestora agora tem um leque que inclui gestão de recursos (área que vem sendo expandida com a entrada em venture capital, crédito, special situations e imobiliário), wealth management e seguros — e com ambições também de virar um banco.
A expansão se reflete nos números. Após anotar uma captação líquida de R$ 22,7 bilhões no ano passado, a Reag soma R$ 163 bilhões sob gestão e é a maior asset brasileira não ligada a um banco (por enquanto). O montante é mais que o dobro do que havia em 2022, quando a gestora afirmava ter cerca de R$ 74 bilhões sob gestão.
A maior parte do dinheiro vem de clientes private e de empresas, como por exemplo algumas do grupo J&F. “Eles não eram vistos como um wealth tradicional, faziam mais a administração fiduciária dos fundos para os clientes, mas têm ganhado mercado na gestão de recursos”, diz uma fonte do setor.
Boa parte do avanço se explica pelo apetite para M&As. Desde que foi fundada, em 2011, já foram 10 operações. Entre as aquisições estão a BizHub Ventures, que antes pertencia à Alvarez & Marsal e permitiu a entrada no venture capital; e quatro nomes que compõem a recém-montada área de crédito: Bom Pra Crédito, CredBrasil, Taormina (originadora com foco em consignado) e Condocash (voltada para condomínios residenciais e empresariais). Os deals levaram a Reag a atingir o número de 400 funcionários, mais que o dobro do que tinha no fim de 2022.
E não deve parar por aí. Só para este ano a Reag prevê algo entre 10 e 12 aquisições. Quatro gestoras estão em negociação: uma focada em wealth (que se somaria às adquiridas Rapier e Quadrante), duas de crédito e uma de private equity. “Começamos prestando serviços fiduciários para as famílias e os outros negócios foram uma complementariedade do que os clientes precisavam”, diz Mansur, que quer também lançar produtos para atrair mais clientes institucionais.
Além disso, a Reag está em processo de aquisição de um banco de investimento. “A gente já faz função de um banco de investimento através de fundos e a licença bancária vai nos permitir ter mais flexibilidade nesse tipo de atividade”, afirma o executivo.
Fundador da Reag, Mansur é visto no mercado como um executivo ágil, mas também duro nas negociações, uma característica da qual se valeu durante o imbróglio envolvendo a Getninjas. Em dado momento, ele e o fundador da empresa de tecnologia, Eduardo L'Hotellier, então CEO, chegaram a discordar publicamente sobre uma proposta de L'Hotellier para redução de capital.
Sem alinhamento, Mansur agiu para derrubar a proposta em assembleia, elevando a posição da Reag na empresa e atraindo para seu lado a Arc Capital, do ex-Credit Suisse Sergio Firmeza Machado, e depois destituiu L'Hotellier do comando da companhia. O avanço sobre a empresa culminou em uma OPA (Oferta Pública de Aquisição) acionada por uma poison pill, que foi realizada na semana passada e deu o controle da Getninjas à Reag, agora com 66%.
Com o apoio da Arc Capital, a Reag também trocou o conselho e administração da companhia, e indicou o executivo da Reag Leonardo Meneses, ex-Alvarez & Marsal, para CEO, e a ex-mulher de Mansur, Fabiana Franco, para diretora financeira.
À época, L’Hotellier chegou a questionar se a Arc e uma outra gestora, a WHG, estavam atuando em conjunto com a Reag. A WHG, no fim das contas, era apenas gestora e administradora de um fundo exclusivo de um sócio da Arc, que passou a ser gerido pela própria gestora e administrado pela Reag.
A Arc, porém, alega que tem uma atuação independente e chegou a olhar o investimento em Getninjas antes da entrada da Reag. Com o avanço das duas, L’Hotellier desistiu de fazer oposição e vendeu suas ações na OPA. A tendência é que ele perca também o seu assento no conselho.
Com formação em ciências contábeis, Mansur teve uma longa experiência na área imobiliária antes de criar a Reag em 2011, com passagens por Price, Tishman, Trump Realty Brazil e WTorre. Nesta última, participou de um projeto que mexeu com o coração. Palmeirense roxo (não à toa a cor da Reag é o verde), ele tocou o projeto do estádio do Palmeiras, construído pela WTorre, e até hoje se mantém ligado ao clube como conselheiro.
Mas foi na Tishman que ele percebeu que poderia ser um bom negócio criar uma gestora para prestar serviços de gestão patrimonial para famílias de alta renda por meio da administração fiduciária de fundos como FIDCs, fundos de investimento em participação (FIPs) e fundos imobiliários (FIIs).
“Quando estava lá, eu procurava as casas para estruturar uma operação de fundo imobiliário e eu via que todo mundo queria me vender alguma coisa. O posicionamento dos agentes do mercado estava mais voltado para a gestão de fundos do que para prover estrutura e vi que tinha uma oportunidade de negócios ali”, lembra Mansur.
Com a regulação mais apertada sobre os administradores de fundos e as investigações do BNY Mellon em 2014, que era um dos maiores no setor naquele momento e foi investigado pela CVM por fraude envolvendo o fundo de pensão dos Correios Postalis, os bancos saíram da prestação desse serviço para terceiros e a Reag conseguiu se aproveitar. Isso mudou, porém, com a Instrução 175 da CVM, de 2023, que equilibrou melhor a responsabilidade entre administradores e gestores, afirma uma segunda fonte do setor.
No entanto, diferentemente de outras empresas como a BRL, Vórtx e Oliveira Trust, a Reag só faz administração fiduciária para quem já é cliente ou gestores parceiros que têm negócios em conjunto, diz Mansur. Entre esses gestores, a Reag administra carteiras para a WNT, de Valério Marega Júnior, e a Arc Capital, a mesma que apoiou a Reag na Getninja.
Em 2018, a Reag se viu em meio a uma polêmica envolvendo um dos fundos que geria e uma operação da Polícia Federal. A Operação Gatekeeper foi deflagrada em abril daquele ano para investigar fraudes no fundo de pensão Cais Mauá, que era gerido pela ICLA Trust e meses antes havia sido transferido para a Reag. Mansur chegou até a depor em CPI.
“Ali o que nos interessou foi o projeto imobiliário, os cotistas nos procuraram para herdar essa carteira, a gente fez a diligência, mas depois vimos a bagunça que era e três meses depois a gente foi embora”, afirma Mansur.
Hoje, a área imobiliária da Reag é tocada por André Agostinho, ex-CEO da HBR Realty Empreendimentos, e somava, em dezembro, R$ 4,6 bilhões sob gestão só em FIIs, uma das grandes apostas de crescimento da Reag. A gestora, que já tem um fundo imobiliário listado em bolsa, o Reag Multi Ativos Imobiliários (RMAI11), planeja lançar outras carteiras com foco em renda na bolsa.
Ainda no ramo imobiliário, a gestora acabou entrando em outra empresa da bolsa, a incorporadora Viver, que deixou um processo de recuperação judicial há dois anos e meio. Nesse caso, a negociação foi mais amigável. A Reag assumiu uma posição na companhia ao longo dos últimos meses, enquanto a Jive, que tocou a reestruturação, estava de saída.
Com uma fatia de 15,2%, a Reag tornou-se a segunda maior acionista da empresa, atrás apenas da BPS Capital, que tem 20% e participou do turnaround junto com a Jive. “O foco da companhia estava na reestruturação e agora ela entra em novo ciclo”, diz Mansur.
Recentemente, a Reag anunciou também uma parceria com a StellCorp, comandada por Roberto Justus, para investir em imóveis para a média e alta renda com a estrutura de aço, além de investir na Arena Fonte Luminosa, em Araraquara. “Devemos anunciar mais parcerias nesse modelo”, diz Mansur.
Na área de restruturação ainda, a Reag está fechando um memorando de entendimento com uma empresa de varejo. “Sempre olhamos alguma operação que tenha sinergia com o portfólio dos nossos clientes”, afirma o executivo.
Para dar suporte aos clientes, a Reag agora mira voos internacionais. A empresa já tem um escritório em Miami, e planeja ter uma base em Portugal. A disposição para se expor e experimentar, pelo visto, ainda irá muito além do nome na fachada do Belas Artes.